Não sei o que dizer. Como se começa algo tão
difícil? Sim, pelo princípio. Mas qual é o princípio? O nascimento. E este é o
fim. Então, porque nasci eu? Para atingir este fim antecipado e sem valor?
Para, ao partir, causar nos outros uma dor maior do que a felicidade que lhes
trouxe ao chegar?
Desculpem, não queria jamais dar-vos nenhuma dor, e
muito menos uma superior a essa felicidade. Mas não posso fazer nada. Deus, a
vida, o destino assim quiseram. É justo? É injusto? Justiça e injustiça são
conceitos humanos e os humanos não são culpados do que me está a acontecer.
Não há nenhum culpado, e mesmo que houvesse, isso
não impediria a minha partida. E o pior não é partir. É não regressar nunca
mais para estar com vocês.
Mas é inútil qualquer resistência. A hora da
partida já está marcada. Raiva, impotência e frustração são os sentimentos que
predominam, mas também eles são inúteis. Pergunto-me, perguntamo-nos porquê,
mas não obtemos resposta alguma. E essa raiva, essa impotência e essa
frustração aumentam e tornam tudo pior. Perguntas sem resposta ecoam na nossa
cabeça e interrogamo-nos o que fizemos para merecer tudo isto. O que poderíamos
ter mudado, para não sofrer assim e acabar tão desesperados. Mas se um dia
surgir alguma resposta, ela será: nada. Não era possível fazer nada. Talvez ter
tentado antecipar o que iria acontecer. Mas não foi assim que se passou, e
agora é impossível voltar atrás. É tarde para tentar pensar nos sonhos que
ficaram por viver, nas viagens que ficaram por fazer, nas palavras que ficaram
por dizer. É tarde para pedir desculpas e perdoar arrependimentos.
Apesar disso, não imaginam como eu queria que tudo
tivesse sido diferente. Como gostaria de ficar com vocês. Ou pelo menos, levar
comigo a vossa dor, para que não tivessem de sofrer. Mas peço-vos que tentem
ter coragem para encarar a vida depois de eu partir. Acreditem que vou para um
sítio melhor, e isso ajudará a atenuar a dor. Acreditem que, apesar de não a
compreender, eu aceito a inevitabilidade da minha partida, e isso ajudará a que
tenham mais força todos os dias. Acreditem que se se oferecessem para trocar de
lugar comigo, eu não aceitaria, e isso ajudará a guardarem-me no coração.
Acreditem que parto primeiro que vocês, para preparar a vossa chegada daqui a
muitos anos, e de manhã acordarão com menos tristeza.
Agora, é finalmente chegado o momento do adeus. Não
vale a pena sentir mais revolta e nem sequer compaixão, embora a vontade seja
essa e o pensamento apenas permita esses sentimentos. O desânimo junta-se
também nestes instantes finais, mas sei que vocês conseguirão vencê-lo, tal
como eu consegui vencer o medo do que me espera ao partir.
Amigos, deixo-vos um abraço forte, sentido, e um
brinde à verdadeira amizade. À nossa amizade.
Mãe, pai, mano, mana, avós, sobrinhos, família.
Olhem uns pelos outros por aqui. Onde quer que eu esteja, também irei olhar por
vocês. Com vocês, a partida é difícil. Sem vocês, seria mais difícil ainda.
Levo comigo uma pouco de todos vós para a próxima vida, caso haja uma.
Nunca trocaria tais amigos e família por outros,
nem que tivesse de viver com eles por toda a eternidade.
Finalmente, peço desculpa a todos por todo o mal
que vos fiz, por tudo o que esperavam de mim e não consegui ser e fazer, por
partir desta maneira. Espero que me possam perdoar.
Adeus